Uma abdicação histórica

Rei Juan Carlos I de Espanha abdicou do trono a favor do filho. Foto: José Cruz / Wikimedia Commons https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/

 

“Decidi colocar um ponto final ao meu reinado e abdicar do trono”. Com estas palavras, D. Juan Carlos I comunicava aos espanhóis a decisão de ceder o trono ao príncipe herdeiro, Felipe de Borbón y Grécia, que será em breve proclamado rei de Espanha. O monarca dirigiu-se ontem à cidadania com uma breve mensagem emitida a partir do Palácio da Zarzuela, na qual justificou a abdicação com a necessidade de renovar a monarquia: “merece passar à primeira linha uma geração mais jovem”, afirmou.

Sobre o sucessor, assegurou que “encarna a estabilidade”, acrescentando que Felipe tem “a maturidade e a preparação necessárias para assumir o cargo com plena garantia”. Segundo o próprio Juan Carlos, a decisão de se retirar foi tomada em Janeiro deste ano, pouco depois de cumprir 76 anos. Em março comunicou a resolução ao presidente do Governo e ao líder da oposição, Alfredo Pérez Rubalcaba.

Nomeado pelo anterior chefe de Estado, Francisco Franco, Juan Carlos abandona assim o trono após 39 anos de reinado.

Embora anunciada de forma imprevista, a abdicação do rei era algo que vinha sendo pedido por vários sectores da cidadania nos últimos meses. As recentes polémicas em torno à Casa Real estiveram na base do aumento do descontento popular. De acordo com as últimas sondagens, a popularidade da monarquia espanhola encontra-se em mínimos históricos: o mais recente estudo do Centro de Investigação Social atribuía à Coroa uma valorização de apenas 3,7 em 10.

O escândalo corrupção protagonizado pelo genro do monarca, Iñaki Urdangarín, no qual está envolvida também a infanta Cristina arrastou a instituição para o momento de maior debilidade desde a Transição.

Mas também o episódio da caça de elefantes no Botsuana, onde o monarca partiu a anca, em 2012, os rumores de infidelidades e a progressiva debilitação do estado de saúde do rei (foi operado nove vezes nos últimos quatro anos), contribuíram para o progressivo enfraquecimento da imagem da Casa Real.

De seguida, o governo espanhol vai aprovar, com carácter de urgência, uma lei orgânica que vai determinar os passos burocráticos necessários para que Felipe de Borbón assuma o trono. O processo vai culminar com o juramento do novo monarca no Congresso de Deputados e no Senado.

 

Portugueses em Espanha surpreendidos com anúncio do rei

Foi com surpresa que alguns dos portugueses radicados em Madrid receberam a notícia da abdicação ao trono por parte de D. Juan Carlos. “A notícia deixou incrédulos os espanhóis e nós, portugueses que vivemos a mesma realidade, não fugimos a este sentimento”, afirmou ao JN Sérgio Pimental, que vive há dois anos e meio em Madrid. Admitindo que o monarca deixa um “legado importante na história de Espanha”, uma vez que teve um papel importante no estabelecimento da “democracia parlamentar no país”, este administrativo natural de Almada acredita que o processo sucessório vai ser “delicado”, porque o rei abandona o trono “após vários anos recheados de polémicas”.

Vânia Colaço, designer radicada em Madrid há seis anos, assinala também os recentes “escândalos” em torno à família real como estando na base da histórica decisão de Juan Carlos: “é uma tentativa de limpar a imagem da Casa Real devido ao momento de descrença que vive a própria instituição”, comenta ao JN.

Quanto ao sucessor, Felipe de Borbón, “é apreciado, mas ainda não detém a total confiança dos espanhóis”, entende Sérgio Pimentel. Ainda assim, o administrativo não acredita que o processo coloque em causa a monarquia: “não me parece que os espanhóis deixem de dar confiança a Felipe VI, mas com certeza vão exigir-lhe muitas provas”, conclui.

Vania Colaço não mostra tantas certezas quanto ao futuro da instituição, lembrando o aumento das reivindicações pela República: “grande parte da população é juancarlista”, ou seja, demonstram respeito pela figura do rei, devido ao seu papel durante a Transição, mas “não defendem um regime monárquico”.

 

Publicado em Jornal de Notícias