Vox: “Somos de extrema necessidade”

Entrada: Espanha já não é exceção à onda da extrema-direita que percorre países em todo o mundo. Depois de entrar no Parlamento andaluz, o partido de Santiago Abascal espera que o ciclo eleitoral que se aproxima lhe permita estender a representação ao resto do país.

 

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Santiago Abascal é o líder do partido Vox. Foto: Contando Estrelas / Wikimedia Commons

“Somos de extrema necessidade”. A frase tornou-se habitual nos dirigentes do Vox, soltada de cada vez que lhes perguntam se o partido é de extrema-direita. Rodrigo Alonso, deputado da formação no Parlamento andaluz, repete-a ao JN. Não que tenha problemas com a designação: “se defender a unidade de Espanha é ser de extrema-direita, então somos de extrema-direita”, afirma.

É no gabinete do Vox no Parlamento da Andaluzia, em Sevilha, que o deputado recebe o JN. De um lado, a bandeira de Espanha, e por trás, o retrato do rei Felipe VI. Na lapela, destaca-se o verde do pin do partido e na pulseira, o vermelho e amarelo da rojigualda. Quanto ao discurso, difere pouco do utilizado pelo líder da formação, Santiago Abascal que, para além da defesa acérrima da nação espanhola, dirige os seus ataques à imigração, às políticas que protegem as mulheres da violência de género ou às leis que pretendem dar justiça às vítimas do franquismo. Apesar do retórica “politicamente incorreta”, a estratégia está a dar frutos e surpreendeu até os próprios dirigentes do partido.

Em dezembro passado, Alonso ocupava o segundo lugar na lista de candidatos do Vox ao Parlamento da Andaluzia pela província de Almería. Quando percebeu que tinha sido eleito “a surpresa foi maiúscula”, confessa. “Esperávamos conseguir representação, mas não este resultado”, admite. Era a primeira vez desde a transição para a democracia em Espanha que uma formação de extrema-direita entrava num Parlamento regional e logo com 11% dos votos. Conseguiam representação em todas as províncias andaluzas, incluindo em feudos socialistas como Sevilha, Cádis ou Huelva.

O resultado obtido pelo Vox fazia soar os alarmes nas restantes formações, da esquerda à direita. Sobretudo porque os 12 deputados eleitos permitiram ao partido ultranacionalista ter um papel preponderante na formação de governo na Andaluzia. O pacto estabelecido entre o chamado “tripartito” de direita conseguiu colocar na presidência regional José Manuel Moreno, do Partido Popular, afastando o PSOE do poder pela primeira vez em quase 40 anos.

Fundado em 2013 por antigos membros do PP, nas eleições de 2015 e de 2016 o Vox não superou os 0,2%. Passados apenas dois anos, as sondagens atribuem à formação populista intenções de voto próximas aos 12%. Com as eleições legislativas a aproximarem-se, o partido espera agora estender a representação “ao resto do país”, garante Alonso. Hoje, parecem longínquos os tempos em que Espanha era apontada –juntamente com Portugal– como um dos últimos bastiões europeus a resistir à entrada da extrema-direita.

 

Mais próximo de Bolsonaro do que de Le Pen

Apesar de partilhar ideologia com a extrema-direita europeia, a “retórica abertamente neoliberal” utilizada pelo Vox “aproxima-o mais de Bolsonaro do que de Marine Le Pen ou Matteo Salvini”, observa ao JN María Eugenia Rodríguez Palop, analista política. “A extrema-direita europeia tem um discurso mais protecionista, que tenta apelar à classe trabalhadora”. No entanto, o Vox dirige o seu discurso “diretamente às classes altas e médias altas, ou que pelo menos aspiram a isso”, uma estratégia que explica com o “elemento sociologicamente franquista que ainda existe em Espanha, especialmente no Sul do país”.

Por outro lado, os analistas espanhóis coincidem em relacionar o crescimento do Vox com a crise territorial que o país atravessa, sendo a defesa da unidade de Espanha uma das linhas mestras do partido, aliada ao combate feroz do independentismo na Catalunha. “Somos o único partido que esteve sempre contra os golpistas”, assegura Rodrigo Alonso. No entanto, María Eugenia Rodríguez Palop chama a atenção para a necessidade de perceber o que o Vox esconde “por trás das bandeiras”. Quando apelam “à unidade nacional”, o que está por trás “não só uma questão identitária, mas socioeconómica”, considera a académica. Na verdade, o que se pretende é “a expulsão dos mais vulneráveis e de todos os que possam colocar em questão ou colocar em perigo a situação de privilégio que têm alguns”, assinala.

 

Publicado em Jornal de Notícias