Espanha: O drama dos despejos no país da bolha imobiliária

Maria João Morais / JN

 

À terceira foi de vez. Desta feita, a polícia estava em maior número do que os manifestantes. Às 6h 30 da manhã, formou-se à porta de Mari Carmen um cordão policial constituído por mais de uma centena de agentes e uma dezena de carrinhas. “Como se houvesse ali três comandos da Al Qaeda”, comentou um dos “indignados”, convocados pela assembleia de bairro realizada em Carabanchel, Madrid, para tentar evitar uma vez mais o despejo de uma família de baixos rendimentos. No entanto, ao contrário do ocorrido nas duas vezes anteriores, ontem, quando os cerca de 60 activistas começaram a chegar ao local, já pouco havia a fazer.

É a segunda vez que a polícia consegue levar a cabo em Espanha um despejo apesar da mobilização de manifestantes, desde que o Movimento 15-M —que durante o mês de Maio acampou no centro de Madrid— decidiu fazer da questão da habitação uma prioridade. “Diariamente são desalojadas famílias que, além de se verem privadas de um local para viver, têm que continuar a pagar a dívida ao banco”, acusam os porta-vozes da plataforma. Exigem, por isso, que a legislação seja alterada para que a cedência do imóvel possa saldar a dívida contraída.

Num país onde há mais de 3 milhões de apartamentos vazios, todos os dias se executa uma média de 160 despejos. O Movimento conseguiu travar a execução de 59.

 

Maria João Morais / JN
 

Embora ontem não tenham atingido o objectivo, os activistas continuaram durante toda a manhã em frente à casa de Mari Carmen agitando cartazes e gritando palavras de apoio.

Para além da questão da habitação, os “indignados” têm sido notícia nas últimas semanas por uma forte contestação ao tratamento discriminatório dado pela polícia aos imigrantes. Entretanto, a plataforma conseguiu ainda entregar no Congresso de Deputados um documento com as propostas do 15-M.

O movimento garante, no entanto, querer manter um perfil apartidário, embora algumas vozes esperem que tome uma posição activa nas próximas eleições legislativas. O escrutínio, previsto para Março de 2012, foi ontem antecipado pelo presidente do Governo, Rodríguez Zapatero, para o próximo dia 20 de Novembro.

 

 

“Estão direitos humanos em causa”

Quando soube da história de Mari Carmen, decidiu que não podia continuar a ficar em casa. Sentiu que tinha que prestar o seu apoio a esta mulher, uma vez que estavam “em causa os seus direitos humanos fundamentais”, lamenta. Sempre de cartaz em punho, a jovem Marcela Parra, estudante universitária de origem chilena, está confiante de que as mobilizações sociais contra os “despejos abusivos”, são fundamentais para a “tomada de consciência” da população e ajudam a criar condições para se poder exigir “as mudanças legais necessárias ao fim destas injustiças”.

 

Marcela Parra participou na manifestação. Maria João Morais / JN

 

“Uma questão de solidariedade”

Aos 74 anos, Luis Domínguez foi protagonista do segundo caso bem sucedido de adiamento de um despejo na comunidade de Madrid. Com uma invalidez de 65% e sem receber qualquer tipo de pensão, há dois anos deixou de conseguir continuar a pagar a hipoteca e agora depende de uma “mesada” que lhe dá a irmã mais velha. Depois de beneficiar da ajuda dos “indignados”, agora é ele quem faz questão de marcar presença em todas as mobilizações convocadas em Madrid para evitar despejos injustos. “É uma questão de solidariedade”, conclui.