A principal contribuição de Espanha para a trágica memória do século XX teve início há precisamente 75 anos. A Guerra Civil de Espanha, conflito que seria visto por muitos como a antecâmara para a II Guerra Mundial, deixou feridas na sociedade espanhola que ainda estão longe de cicatrizar.

Foi no dia 18 de Julho de 1936 que se iniciou a primeira sublevação de uma facção do exército contra a República espanhola. O fracasso deste golpe militar desencadearia o início da contenda militar que acabaria por colocar Espanha no centro do mundo durante três anos. Encarada como a primeira batalha da guerra mundial que aí se aproximava, a Guerra Civil espanhola iria alcançar uma repercussão extraordinária na opinião internacional. Tal como na II Guerra Mundial, tratou-se fundamentalmente de uma luta contra a extrema-direita. Mas, ao contrário do que aconteceria no conflito que iria começar poucos anos mais tarde, em Espanha, ganhou o lado errado. A esquerda foi derrotada e o triunfo dos rebeldes permitiu a instauração do outro lado da fronteira do regime fascista liderado por Francisco Franco. A repressão e a perseguição aos elementos do “lado” perdedor foram constantes durante o pós-guerra e prolongaram-se durante os 40 anos de ditadura.
A transição democrática e os sucessivos governos parlamentares que se seguiram não conseguiram, no entanto, fazer cicatrizar as feridas abertas. Muito rancor permanece ainda vivo dentro da sociedade espanhola.
Das mais de 2000 valas comuns existentes um pouco por todo o território espanhol, até ao momento, somente 270 foram abertas. Há apenas dez anos que se iniciaram os trabalhos de exumação que permitem devolver os restos mortais das vítimas da Guerra Civil e do franquismo aos respectivos familiares. E foi preciso esperar até ao ano 2007 para ver aprovada uma Lei de Memória Histórica, que traria finalmente financiamento público ao processo e daria melhores condições ao desenrolar dos trabalhos.
A história escrita pelo lado perdedor
Se em Espanha as décadas de ditadura foram utilizadas por Franco para tentar virar a história a seu favor, a opinião internacional foi, no entanto, moldada pelas fontes opostas. Como sublinha o o historiador britânico Eric Hobsbawm, desta vez, a história não foi escrita pelos vencedores. Para a construção da memória colectiva daquele período, foi fundamental a contribuição de uma geração de intelectuais, escritores e artistas que naquele momento se mobilizaram fervorosamente a favor da República. Se as potências democráticas de então optaram por um acordo de não-intervenção no conflito, o mesmo não se pode dizer do volumoso número de voluntários que o conflito mobilizou. Foram mais de 35 mil os combatentes estrangeiros que constituíram as chamadas “Brigadas Internacionais” que, a partir de 1936, foram chegando a Espanha dispostos a dar a vida pela luta antifascista. O americano Ernest Hemingway, ou o francês André Malraux são apenas dois dos mais sonantes nomes que contribuíram para a extensa literatura produzida sobre o tema.
Publicado em Jornal de Notícias
