A morte do último herdeiro do “iberismo português”

 Wikimedia Commons
Wikimedia Commons

Espanha recebeu ontem a notícia da morte de José Saramago com um misto de surpresa e consternação.

O grande destaque dado à notícia do falecimento do Nobel português em todos os órgãos de informação espanhóis e as múltiplas reacções de pesar provenientes de todos os sectores, foram equivalentes ao que seria de esperar se se tratasse da morte de um grande escritor espanhol. Não será de estranhar se tivermos em conta que há vários anos que Saramago fazia, de facto, parte do universo intelectual espanhol, sendo considerado uma figura de referência do meio literário e uma personalidade cuja opinião era frequentemente citada tanto em assuntos culturais, como sociais ou políticos.

Mais do que o Nobel que recebeu em 1998, para a grande projecção do escritor no país vizinho contribuiria a relação com a jornalista sevilhana Pilar del Río, que conheceu em 1986, e com quem se casaria dois anos mais tarde. Ela tornar-se-ia sua tradutora e também uma das principais divulgadoras da obra de Saramago em solo espanhol.

Muito marcado por polémicas várias em Portugal, em Espanha Saramago é visto como um homem de convicções fortes, crítico, utópico e, sobretudo, muito comprometido politicamente: a sua ligação ao Partido Comunista é quase uma marca característica. Mas é reconhecido também o homem apaixonado que, a partir de 1993, foi viver com a mulher para a ilha de Lanzarote, nas Canárias, no seguimento da polémica levantada em Portugal com a publicação de Evangelho Segundo Jesus Cristo.

Nessa ilha viria a desenvolver grande parte da sua obra mais reconhecida internacionalmente. Talvez por isso o diário El Mundo realce a importância das Canárias na vida do escritor, caracterizando a ilha de Lanzarote como a terra que “o viu crescer como pessoa e literato”.

Quanto à directora do Instituto Cervantes, Carmen Caffarel, destacou ontem que “com José Saramago desaparece o mais firme herdeiro de uma longa tradição: o iberismo português”, acrescentando que “poucos como ele amaram e conheceram tão profundamente as duas culturas”. Também a ministra da Cultura espanhola, Ángeles González Sinde, fez questão de destacar a ponte que o escritor criou entre os dois países ibéricos: “Saramago abriu-nos a porta para Portugal. Somos duas culturas que muitas vezes vivem de costas voltadas, mas quando há uma aproximação, esta traz-nos sempre o fascínio de uma relação muito profunda”.

De luto, a localidade de Tías, em Lanzarote despediu-se ontem do escritor na câmara ardente instalada na Biblioteca José Saramago. Os seus restos mortais serão transladados hoje para Lisboa, onde será

sepultado.