Catalunha afasta-se da tradição espanhola

 

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Tourada em Espanha. Foto: Muriel Feiner / Wikimedia Commons

 

A partir de Janeiro de 2012, não voltará a haver corridas de touros na Catalunha. Com a aprovação, esta quarta-feira, da lei que proíbe a realização das touradas, o mais emblemático espectáculo da cultura espanhola e o principal símbolo do país a nível internacional, fica condenado a desaparecer das praças de Barcelona e restante comunidade autónoma.

Após a votação, multiplicaram-se por toda a Espanha as manifestações a favor e contra a medida aprovada pelo parlamento da Catalunha.

Manifestantes anti-taurinos regozijaram-se ostentando frases como “A tortura é indigna”, enquanto os aficcionados das corridas prometeram lutar para evitar que a proibição se torne uma realidade.

“Este é o pior ataque à nossa cultura desde a transição para a democracia”, afirmou o poeta catalão Pere Gimferrer.

Opinião contrária têm, no entanto, as 180 mil pessoas que colocaram a sua assinatura na petição promovida pela plataforma Prou! (Basta! em catalão) e que conseguiu levar a votação ao parlamento .

Trata-se da segunda comunidade autónoma espanhola a proibir formalmente as corridas de touros, depois das Canárias terem, em 1991, aprovado uma lei de protecção dos animais que impedia implicitamente as corridas de touros. No entanto, a tauromaquia nunca fez parte da tradição cultural do arquipélago.

Na arena mediática, a questão transformou-se também em batalha política. O Governo de José Luis Rodríguez Zapatero mostrou-se contrário à proibição, mas fez saber que respeita a decisão. Já o líder do PP, o principal partido da oposição, Mariano Rajoy, anunciou que pretende levar ao Congresso uma iniciativa para que “a festa dos touros seja considerada de interesse geral e cultural”.

 

A última estocada catalã

Há apenas um mês, no final de Junho, as forças nacionalistas catalãs levavam um duro golpe com a anulação, por parte do Tribunal Constitucional espanhol, de alguns dos itens incluídos no Estatuto da Catalunha. Em causa estavam sobretudo o preâmbulo do texto que define a Catalunha como uma nação —declarado sem eficácia jurídica— e o artigo que determinava o catalão como língua ‘preferencial’ em órgãos públicos e meios e comunicação —anulado.

Entretanto, a vitória de Espanha no Campeonato Mundial de Futebol parecia ter alcançado a proeza de unir espanhóis de todos os pontos do país e arrefecido os movimentos nacionalistas. “Desde a Guerra Civil que não se via tantas bandeiras pelas ruas”, titulou o El País durante o mundial da África do Sul, e até na Catalunha as bandeiras de Espanha começaram a assomar, embora timidamente, às janelas, coisa até aí difícil de imaginar. O facto de sete dos jogadores da Selecção serem naturais da Catalunha terá contribuído para a adesão à vitória da “Roja” mas, mesmo assim, muitos mantiveram-se afastados dos festejos, afirmando serem “catalães e não espanhóis”.

Quanto à aprovação da lei que proíbe as touradas na Catalunha, reacendeu as clivagens relacionadas com o nacionalismo catalão. Embora a medida tenha partido de uma iniciativa de cariz popular, o certo é que foi viabilizada com o apoio do partido independentista catalão Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) e com os votos de 32 dos 48 representantes do partido nacionalista moderado Convergència i Unió (CiU).

Na arena política não se fizeram esperar as vozes que encostaram a aprovação da lei ao sentimento anti-espanhol, defendendo que a proibição das corridas pouco tem a ver com a necessidade de defesa dos animais, mas está antes ligada à vontade de afastamento daquela que é a mais simbólica tradição em Espanha, conhecida aliás como a “fiesta nacional”. Para a presidente da Comunidade de Madrid, conhecida defensora das corridas, a medida “não tem nada a ver com os maus tratos aos animais nem com a protecção ao meio ambiente”, mas visa sim “quebrar os laços entre a Catalunha e Espanha”. Também Jaime Mayor Oreja, eurodeputado pelo PP reagiu violentamente, ao afirmar que esta é “uma ofensiva nacionalista, uma provocação e uma vingança” para com o resto de Espanha.

Os argumentos relativos ao sofrimento do animal ficaram, assim, praticamente eclipsados pelas questões nacionalistas e de identidade catalã. Os defensores dos animais lamentaram, por isso, ver a disputa política sobrepor-se ao debate moral.

De resto, para garantir a aprovação da lei, foi necessário introduzir uma excepção para permitir as correbous, uma tradição taurina popular nas festas do sul da Catalunha. “Também deveria ser proibido. Seria mais consistente”, argumentou Salvador Giner, presidente do Instituto de Estudos Catalães e defensor da proibição das touradas, citado pelo diário catalão El Periódico.

Na prática, a Catalunha está a proibir a realização de um espectáculo que já vinha a sofrer um desinteresse progressivo de público nos últimos anos. A única praça onde se mantinha a organização de corridas de touros era a Monumental de Barcelona, que conta actualmente com apenas 400 ‘lugares cativos’, ao passo que As Ventas, em Madrid, conta com cerca de 19 mil.

Numa altura em que se aproximam as eleições regionais na Catalunha —agendadas para o Outono— o debate em torno ao nacionalismo ganha outro fôlego. É certo que nem todos os catalães defendam a independência face a Espanha, mas o afastamento cultural da região relativamente ao resto do país é notório, sendo a língua catalã o principal elemento diferenciador. Agora, também os touros o são.

 

Uma proibição que pode custar até 500 milhões

Apesar das corridas de touros captarem cada vez menos assistência na Catalunha, a abolição desta prática vai ter consequências económicas importantes na região. Só em indemnizações ao sector tauromáquico, as autoridades catalãs poderão ter que desembolsar entre 300 e 500 milhões de euros, segundo um estudo realizado a pedido da Plataforma para a Promoção e Difusão da Festa dos Touros e divulgado pela imprensa espanhola. De acordo com a análise, a proibição das touradas poderá custar em média até 57 euros a cada catalão. A plataforma calcula ainda entre 50 e 150 milhões de euros o prejuízo iminente que a aprovação da lei pressupõe para os promotores taurinos e responsáveis pela Monumental de Barcelona. A praça foi inaugurada em 1914, e em 1977 tornou-se na única praça de touros em toda a Catalunha. Mas a capacidade convocatória da Monumental foi diminuindo: em 2001 celebraram-se 24 corridas e em 2008 apenas 16. Ainda assim, nesse ano o encaixe foi de 4,4 milhões de euros.

No total, as corridas de touros geram em toda a Espanha cerca de 2,5 mil milhões de euros anualmente e dão trabalho a mais de 200 mil pessoas. Há cinco anos que a televisão pública espanhola não transmite qualquer corrida de touros.

 

Publicado em Jornal de Notícias